quarta-feira, 11 de junho de 2014

MNEMÓPOLIS: big data, imagens sobreviventes, memórias insurgentes | projeção de lançamento do Atlas #protestosBR, hoje às 19h, no MediaLab.UFRJ




Hoje teremos a projeção de pré-lançamento do Atlas #protestosBR com as imagens enviadas via ChIPS (Chamada de Imagens Políticas Sobreviventes). Os que ainda não atenderam ao chamado, podem enviar suas imagens aqui e ajudar na montagem deste Atlas.

Abaixo, um brevíssimo texto que escrevi retomando algumas das inquietações que resultaram no projeto.

---

No MediaLab.UFRJ, o ano de 2014 começou com um desafio: como pensar/organizar/ver as imagens dos protestos que tomaram as ruas deste país desde junho do ano passado? Em virtude da quantidade e da circulação em fluxos contínuos de tais imagens, inicialmente nos aproximamos das estratégias de visualização de big data (esta grande massa de informação proveniente do desenvolvimento da web, que excede os limites inerentes à cognição humana). Neste sentido, algoritmos são mobilizados para ajudar a visualizar um quadro destas imagens, organizadas a partir de certos padrões de cores ou composição dos quadros ou, ainda, de sua circulação na rede (retweets e compartilhamentos). Em parceria com o Labic, da UFES, realizamos encontros para discutir tais ferramentas e debatermos suas potencialidades e limitações.

Outra referência importante para pensarmos o projeto do Atlas #protestosBR foi o Atlas Mnémosyne, de Aby Warburg. A história da arte proposta por Warburg no começo do século passado foi anacronicamente organizada neste atlas (grandes pranchas nas quais as imagens heterogêneas - fotografias de esculturas, gravuras, selos postais etc - eram montadas a partir da sobrevivência de certos gestos). No dispositivo warburguiano, o intervalo entre as imagens ajudava a vislumbrar um regime de semelhança que sobrevivia ao tempo. Isto o ajudou na formulação de uma história da arte que excedia as noções de estilo e escolas artísticas, e o permitiu avançar com uma leitura das imagens da arte sobre o terreno mais amplo da cultura.

É na tensão entre o fluxo contínuo e o intervalo, que surge o projeto do Atlas #protestosBR, que é baseado na colaboração, através da submissão on-line por qualquer um que tenha interesse, de três imagens dos protestos. Assim, sem a pretensão totalizante de dar conta de todas as imagens dos protestos que circularam na internet, o Atlas #protestosBR configura-se como uma plataforma que constitui uma rede de atores-humanos e imagens (também elas actantes). Mobilizando a memória dos protestos e construindo esta rede colaborativa, a ser publicamente compartilhada na web, o atlas do MediaLab.UFRJ é uma experiência mobilizada por uma aparente insuficiência das ferramentas já disponíveis para lidar com a novidade das formas de mobilização política que atravessaram os protestos e com o estatuto privilegiado da imagem neste cenário

domingo, 8 de junho de 2014

Hoje é o último dia do Dança em Foco: Festival Internacional de Vídeo & Dança | notas sobre dois programas


Anualmente, o Dança em Foco: Festival Internacional de Vídeo & Dança ocupa uma série de espaços na cidade do Rio de Janeiro, promovendo conversas/debates e exibindo trabalhos de videodança. Este ano, o Festival começou na Maison de France, ocupou o Museu de Arte do Rio (MAR) por uma semana e se encerra hoje no Teatro Cacilda Becker. Ontem, finalmente, consegui ir ao festival e assisti a dois programas: Curtas internacionais e O legado de Merce Cunningham. Sobre o primeiro programa, cheguei no final do primeiro vídeo El asesinato de lo real (Chile, 2012), mas pude assistir integralmente a Restraint (Reino Unido, 2013) e ...I said you! (Eslováquia, 2013). 

O que mais chama a atenção na produção, ainda pouco difundida (mesmo entre o público de dança ou de artes visuais), de videodança é o fato de que se trata de um processo de criação artística que é fundamentalmente "interartes" ou "transartes". Ou seja, não se trata de uma "dança filmada", mas de uma coreografia na qual, além dos corpos dos bailarinos, são contemplados movimentos de câmera, edição e sonoplastia. Nenhum privilégio é concedido à dança ou ao vídeo. A câmera é, também, corpo que dança; a edição é, também, coreografia. Como os diretores do Festival escrevem no texto de apresentação da programação deste ano, trata-se de uma "arte em que a dança é feita de vídeo, e o vídeo é feito de dança".


Restraint, dirigido por John Coombes e coreografado por Lucy Bourne & Antonia di Carlo, apresenta três bailarinas dando corpo a três diferentes personagens, cujos movimentos, embora não sejam sincronizados, parecem desdobrar-se de um "espreguiçar" e encontram limites à expansão infinita que, ora são cordas ou o próprio corpo das bailarinas, ora é a edição do vídeo. O que chama a atenção neste trabalho não é um suposto simbolismo dos gestos cuja leitura caberia ao espectador, mas a forma como a edição paralela, que apresenta as três personagens, constrói uma narrativa, a partir do puro movimento e de suas restrições. 

...I said you!, dirigido por Lubica Sopkova e coreografado por Jan Sevcik, é um videodança que se estrutura em dois blocos. No primeiro, em preto e branco, um grupo de homens dança, vestindo preto, sobre um fundo composto por quadrados pretos e brancos, o que promove temporariamente o apagamento dos bailarinos e, a depender da posição da câmera, transforma momentaneamente seus corpos em abstrações. A cuidada composição dos quadros deste primeiro bloco fez lembrar das composições geométricas abstratas que marcaram as artes gráficas modernas. Ao passo que a segunda parte do vídeo, em cores, gravada em um cenário natural, com os mesmos dançarinos usando as mesmas roupas pretas, cria uma atmosfera que remete ao impressionismo. Digo isto pois, neste segundo bloco, aos movimentos dos corpos e das câmeras soma-se uma luz que, menos contrastante do que a que marca a primeira parte do vídeo (preto e branco, quase sem sombras ou cinzas), compõe um quadro que tenta acompanhar o movimento dos bailarinos, à semelhança da relação que o pintor impressionista parece ter com as variações cromáticas provenientes da iluminação natural.


O programa O legado de Merce Cunningham consistiu na exibição de dois trabalhos de Cunningham que, pelas dinâmicas espaciais que apresentam, foram pensados ou recriados para o vídeo. Nos dois trabalhos, o som desempenha um papel crucial. O primeiro, uma comédia, faz uso de uma trilha que atribui um tom cômico aos movimentos, marcando-os, pontuando-os, um pouco como vemos no cinema de um Buster Keaton. O segundo captura e torna audível os sons produzidos pelos próprios movimentos dos dançarinos, as respirações ofegantes, os atritos, as quedas. Esta sonoridade incômoda é tensionada com as belas composições espaço-temporais produzidas pelo deslocamento da câmera de um grupo de bailarinos a outro, do interior ao exterior da locação - a coreografia da câmera redimensiona, divide em camadas, preenche a profundidade de campo lindamente. Além deste trabalho sobre o som e a profundidade de campo, a edição do vídeo intercala imagens de arquivo dos ensaios desta coreografia no desenrolar das imagens que viemos assistindo. Parece haver uma falsa tentativa de construção uma continuidade entre dois momentos de realização do movimento (o ensaio e a apresentação), já que as diferentes materialidades dos registros em vídeo, precária no ensaio e quase transparente na apresentação, curto-circuita e inviabiliza esta continuidade. 

Transcritas e desdobradas as breves notas sobre o que vi ontem, desejo vida longa ao Festival e convido a todos que têm interesses artísticos, acadêmicos ou de qualquer ordem nas relações entre corpo e imagem, e aqueles que simplesmente queiram passar uma tarde/noite aproveitando a oportunidade de assistir belos trabalhos em confortáveis pufes, a darem uma conferida no último dia do festival, hoje, a partir das 14h. O Teatro Cacilda Becker fica na Rua do Catete, 338. A programação pode ser acessada aqui.

Postagens populares